Todo mundo sabe que férias e crianças nem sempre é lá uma boa combinação. É verdade que os pais se deliciam e pensam, mesmo que por momentos breves: “Ah! Finalmente vou poder desfrutar a companhia dos meus filhos”.
Por outro lado, todos hão de saber que ninguém, em sã consciência, planeja férias com filhos para descansar, no sentido estrito do termo. Pode até parecer maluquice, mas depois do que aqui haverá de ser dito, todos irão constatar que planejamos férias para não descansar, isto é, nos termos prescritos acima, com filhos, de preferência, pequenos.
Imaginemos uma família, bem típica família feliz. Nela há um casal, ainda jovem, com força e belezas físicas vigorosas. Há o primogênito, filho espirituoso, mal-humorado também, e muito curioso, tem lá seus seis e há a caçula, uma linda menina de três anos de idade, o corolário da alegria do lar. Portanto, são quatro os moradores dessa casa.
O dia que antecede a viagem há de causar certa comichão nas crianças — em todos, para ser mais verdadeira, mas especialmente nas crianças, que ainda não possuem o dom de antecipar os acontecimentos. Elas são muito instantâneas e suas emoções, dependendo das notícias, entram em ebulição.
Para resumir, esses dois, mais exatamente os filhos, não conseguiram dormir cedo conforme o planejado. O “boa noite!”, o pijama e a escovação de dentes foram meio travessos, tortos, difíceis de apaziguar. A casa sossegou já era quase meia noite. A mãe, coitada, depois de preparar a mala dos dois filhos e, por último, a sua, foi dormir acabrunhada, não conseguiu raciocinar com clareza nem se dar conta de que ela estava cansada das férias que mal começaram.
Esta história não é de drama, mas de comédia, ainda que seja da “dramática vida privada”.
Pegaram o voo, partiram de férias…
Quem olhasse mais acuradamente para a mãe veria que seus olhos mais pareciam duas madrepérolas negras e fundas. Dava pra dizer que suas olheiras vazariam nuca afora, mais parecia um zumbi, ia concordando com tudo e, antes mesmo de ser requisitada, já dizia sim!
Chegaram ao hotel, all inclusive.
Lá foram eles, a mãe ligeiramente refeita, prontos para desfrutarem do que as férias prometiam. Ao sentarem-se à mesa — o que não foi lá tão fácil, pois até aqui a mulher já correra com a garotinha por um lado e o homem com o garoto por outro lado — apareceu um gato. Ahhh, mas daí por diante a coisa degringolou!!! Aquele miado não deixou dúvidas de que o bichano amoleceria o coração da meninada. A mulher não sabia se ria ou se chorava, por fim gritou: “MENINOS, PAREM DE DAR COMIDA PARA O GATO!!” Enquanto o homem comia, ela, a mulher, engolia, engalfinhava o prato. As crianças começaram a brincar, alimentavam-se a sua maneira. A cada um, dois, três risos, lá iam, quatro, cinco ciscos, e por aí vai… Afora as advertências, elas faziam de conta que comiam e davam gargalhadas.
Os olhos do homem espreita a mulher e, por vezes, ele sorri. Vez ou outra dizia, com a voz entrecortada: “não ponham a mão no gato”. A mãe, apavorada, a essa altura, nem saberia dizer se a comida estava gostosa. Vigiava o gato, as mãos das crianças, ou seriam as patas do gato? Mirava os talheres e tudo que pudesse ser visualizado. “Socorro”— pensava—, tentando espantar o gato, acalmar o homem, fazer as crianças comerem: “comam, comam e comam”, quase dizendo insanamente, num berro solene, subindo à mesa e despedaçando os cabelos: “SILÊNCIO, EU QUERO COMER!!!” Isso não aconteceu, nem aconteceria, só sentia as emoções entrarem em ebulição, exatamente como ocorre com as crianças.
A mãe pensou sobre as leoas, da espécie felina, eram elas quem iam à caça, traziam a presa abatida para o macho comer; só após a refeição do macho, a prole e as fêmeas se serviam, muito provavelmente da carcaça. Conhecia suas crianças, desconfiava do pai. Enquanto umas não tinham limites, iam como num contínuo crescente, o outro, o pai, a qualquer momento poderia estourar. Ia ficar estouvado com as crianças
O que ninguém pensou, ao menos quem estava distraído com o gato —, uma garçonete afável, sempre com um sorriso nos lábios, a senhora que fazia sua refeição ao lado, um casal que parecia estar em lua de mel do outro lado — foi: “como pode um gato assim, solto, dentro de um, restaurante?”
“…As leoas” — continuava… Aí estava a natureza, sábia a lembrar-lhe de uma breve herança animal nos humanos, ou seria somente na sua hierarquia familiar? Ali todos comiam ao mesmo tempo, mas não é que só ela se via com suas garras a engalfinhar os bichanos, quer dizer, os garotinhos!?! A essa altura, se perguntava que diferença havia entre ela e a leoa? Arrepiava de nervos, engolia a carcaça, quer dizer, a comida, grunhia, rugia, seja lá como for, em meio à confusão. Seus olhos se arregalaram e pareciam que pularam para fora, tamanho seu estado nervoso, já não saberia dizer se seria todo o corpo ou somente as palpitações de seus batimentos cardíacos que pulsavam…. era isso!!! Estava pronta para atacar, dessa vez subiria na mesa, urraria… RUGIRIA a altos brados!!!
Mas não foi necessário, um silêncio se fez, todos se calaram. O homem, ainda calmo, embora vermelho, olhava. As crianças olhavam, ela também olhou. O gato estava a CAGAR! O mais apropriado seria dizer palavras adequadas para o momento, isto é, que o gato estava a defecar, ou evacuar. Acontece que todo mundo sabe, por mais educado que seja, que ninguém, ao se deflagrar com a cena do gato de cócoras, ficaria a pensar em ambas as palavras. Todo mundo sabe também que comida, sobretudo em excesso, tem um só destino, e lá estava o gato a nos lembrar disso! Ele cagava. É justo lembrar, também, que, quem tem gato sabe, que, se ele come ração, não exala o cheiro fétido que costumam acompanhar os desarranjos intestinais tão conhecidos dos humanos. Sabe, ainda, que sua composição fecal é pastosa e homogênea.
Isso mesmo! Fazia cocô, como tão bem desataram a bradar as crianças. O gato estava a tornar público o que era inteiramente da ordem privada! A mulher pensou: “agora ele estoura”, o pai não o gato, uma vez que esse estava a se esvaziar, confortavelmente, fazendo a sua sujidade.
A mulher esperava inquieta a súbita explosão, ou seria implosão, do pai As crianças desataram a rir. A mais nova dizia: “o gato fez cocô, cocô.” já o garoto, desatou a correr em direção ao gato e gritava “cocô….cocô…” A garçonete continuava finamente educada diante dos fatos, passiva com os clientes e também com o gato. A vizinhança, após uma boa olhada, especialmente os adultos, fingia que não via, talvez não visse mesmo. De uma coisa os viajantes não podiam reclamar: eram todos de fino trato.
Mas a mãe não se aguentou e quem explodiu foi ela. Saiu correndo atrás do filho, que correu atrás do gato, que fugiu do menino e entrou para debaixo da mesa de comidas. Entrou gato, menino e mãe, o menino segurou o rabo do gato, a mãe, a perna do menino e, do lado de fora da mesa, a bunda da mãe de quatro. Dessa vez o pai ruborizou. A menina falou “o bumbum da mamãe… hihihihi”. Mas não era o bumbum o problema, e sim o fio dental que a saia deixava antever. Duas bandas abauladas, bonitas de se ver e mexe que remexe, até a mãe sair de ré por debaixo da mesa. Saiu segurando o filho pela canela, foi até à mesa, pegou seu guardanapo, limpou cuidadosamente sua boa, e, saiu arrastando o filho pelo piso liso e encerado do restaurante.
O filho adorou a sensação, abriu os braços, fechou os olhos e foi se deixando arrastar como se estivesse numa nave espacial, voando pelo salão. Já a menina foi levada no colo pelo pai. E o gato? Escapuliu delgado por entre os pés das cadeiras e foi parar no mato. Nenhum gato gosta que lhe puxem o rabo, eles sentem agrura! Isso o garoto percebeu.
Saíram e não repararam prontamente na mesa. Quem por ali passasse, não saberia da cena do crime, sequer perceberia que, segundos antes, havia comida espalhada pela mesa e em seu entorno, forro manchado de molho de tomate, suco respingando chão abaixo, copo trincado.
Respostas de 3
Alegrou a manhã do meu feriado de 7 de setembro!🤣😍
Que bacana 😊😘
😊😘